O ESCRITOR FANTASMA


Nove entre dez capas de DVD’s estampam frases como “o melhor filme do ano” ou “impactante e surpreendente” com intuito de te convencer a alugar ou comprar o filme. Pois é, assumo que seria capaz de escrever essas frases cafonas na capa de O Escritor Fantasma. Este é um caso onde podemos perceber claramente a diferença em ter um bom diretor à frente de um roteiro que poderia transformar o filme num show de pieguices. O filme não traz absolutamente nada de novo ao gênero policial, mas Roman Polanski dissolve qualquer previsibilidade ao ignorar macetes comuns e construir personagens como pilares na estrutura narrativa.

O tal escritor fantasma foi contratado pelo ex-primeiro ministro britânico Adam Lang para escrever suas memórias e substituir o fantasma antecessor, morto em circunstâncias misteriosas. Obviamente, o novo escritor seria o próximo alvo, mas quando Lang é acusado de crimes de guerra, o escritor assume a postura de investigador e mediador do caso após achar brechas na história do político durante pesquisas para o livro. Metáforas sobre o caso de Tony Blair e o escritor Robert Harris (também roteirista do filme) à parte, Polanski cria um mosaico de teorias conspiratórias, apesar de seguir o mesmo fio narrativo, que é o do escritor fantasma, o mocinho, na busca de informações que possam ligar o passado do político e a morte do fantasma anterior de Lang.

Os diálogos sempre afiados sustentam e assumem parte da ação do filme, seja para reafirmar intenções do diretor a respeito de seus personagens ou justificar fugas para determinadas sequências. Algo que só um mestre como Polanski poderia fazer sem soar tendencioso. O clássico caso de ser implícito e tendencioso num roteiro de investigação policial pode parecer banal, mas o peso da direção pesa na hora de construir os personagens, suas personalidades e principalmente as possibilidades de desfecho da trama. Justamente nesses aspectos que O Escritor Fantasma se difere dos outros filmes que discutem manipulações políticas e conspirações. E o final, completamente pessimista, é prova disso.

O Escritor Fantasma (The Ghost Writer, França/Alemanha/Inglaterra, 2010) de Roman Polanski

OLHOS AZUIS

 

Totalitarismo, remorso e a busca por redenção guiam a narrativa de Olhos Azuis. Por mais contemporâneos (e de certa forma batidos) que tais assuntos possam ser, existe algo a mais no filme de José Joffily. Não só a coragem para peitar uma força chamada Estados Unidos da América ao mostrá-los com autoritarismo exacerbado na relação com estrangeiros, em especial, os da América Latina. Não é preciso sair da sala de departamento de imigração, onde os latinos buscam uma carimbada em seus passaportes e que autorizem a entrada na “terra das oportunidades”. De personalidades distintas e muito bem construídas, os policiais aqui têm o poder absoluto sobre o futuro de cada um que está na sala de espera.

Intercalando com esta sistemática que oferece aos policiais diversão durante o horário de trabalho, vemos a busca do policial Marshall em terras brasileiras pela filha de um homem que estava na sala de imigração. Aos poucos, Joffily vai construindo um quadro sócio-político brutal que envolve diversos aspectos. Por outro lado, o diretor mostra a entrega de um homem às suas fraquezas e sua última chance de redenção. A pose de um homem invencível dada por um núcleo é desfigurada pelo outro. O grande trunfo dessas duas esferas é que o diretor consegue fazer dois filmes diferentes, com dois gêneros diferentes. A primeira, um thriller explosivo, social. A segunda, um road movie contemplativo.

Ao fragmentar o filme dessa forma brusca, irregularidades no ritmo do filme parecem inevitáveis. Principalmente por se tratar de uma interação crescente à respeito de informações sobre Marshall. De qualquer forma, as intenções de Olhos Azuis são claras e bem sucedidas. Conflitos externos são comedidos na medida certa e os internos suficientemente implícitos para transformar o filme em entretenimento e fonte para reflexões.


Olhos Azuis (Idem, Brasil, 2009) de José Joffily

OS HOMENS QUE NÃO AMAVAM AS MULHERES

 

A adaptação cinematográfica de Os Homens Que Não Amavam as Mulheres escrita por Stieg Larsson já teve o seu remake americano anunciado para o próximo ano com a direção de David Fincher, curiosamente o diretor de Zodíaco, um dos melhores thrillers dos últimos anos. Compreensível, pois o filme faz o que há muito tempo não se vê na construção de filmes deste gênero: a simplicidade. A apuração de um caso policial não permite que a trama caia em complexidades maiores mas nem por isso justifica saídas previsíveis.

Mikael Blomkvist, jornalista investigativo da revista Millenium (que dá nome a trilogia que se completa com A Menina Que Brincava com Fogo e A Rainha do Castelo de Ar) é contratado para continuar a busca de mulher desaparecida há 36 anos. Mesmo em um momento delicado em sua vida, ele resolve se imergir no caso. Em outro pólo está Lisbeth Salander, investigadora particular, reclusa e traumatizada. Sem tendencialismos ordinários ao que diz respeito à fragmentação da narrativa e manipulação do suspense, os dois se tornam insólitos objetos de estudo quando se unem para resolver o caso.

Mas sem deixar que a simplicidade atrapalhe o desenvolvimento da trama, o filme busca se aprofundar em questões existenciais de forma subjetiva, de modo que o caso policial não saia do primeiro plano e complete um quadro sugerido pelo diretor Niels Arden Oplev. É verdade que esse quadro é retocado por clichês de um romance, o que é sintomático quando se trata de uma adaptação, mas exacerbam a duração do filme com informações sem relevância. Mas nada que atrapalhe o resultado final, pois a essa altura, a atenção do espectador está domada pela curiosidade e dá a Oplev a coerência almejada.

Os Homens Que Não Amavam as Mulheres (Man Som Hatar Kvinnor, Suécia/Dinamarca/Alemanha/Noruega, 2009) de Niels Arden Oplev

MARÉ DE AZAR

 

Mike Judge ficou conhecido em todo mundo durante os anos 90 por ser criador de uma das séries mais famosas da MTV. Beavis & Butt-Head teve durante quatro anos de exibição grandes marcas de audiência para a emissora e ganharam um longa-metragem para encerrar bem a saga da dupla de roqueiros descerebrados. Judge também foi produtor e roteirista da série O Rei do Pedaço, que durou doze anos na Fox. Nesse tempo, ele teve tempo para criar e dirigir o inesquecível Como Enlouquecer o Seu Chefe e o polêmico Idiocracy, que dividiu opiniões ao tratar com deboche o processo de “idiotização” do ser humano. Desta vez, a veia cômica do diretor floresce de forma mais acessível em Maré de Azar.

Como o título nacional entrega, trata-se de uma trama que conforme seu andamento, a vida do protagonista vai piorando. A influência das obras de Kevin Smith é clara. A composição de personagens, algumas referências musicais (incluindo a presença de Gene Simmons, vocalista do Kiss), o roteiro bem estruturado – que remete diretamente aos bons tempos de Smith e a inevitável lembrança pela presença de Ben Affleck no elenco, reforçando tal idéia. A narrativa é dinâmica e seus personagens caricatos só ajudam a elevar as situações em extremidades que Judge está acostumado a mostrar, através de Beavis e Butt-Head, especialmente.

Os pilares dessa grande maré de azar são o caso extraconjugal da esposa de Joel (Jason Bateman) e um processo que pode levar sua firma de extratos à falência por conta de uma grande oportunista que deseja levar a melhor em cima dos empregados da firma de Joel. Como ajudante, ele tem Dean (Affleck) que faz uma espécie de Jay & Silent Bob em versão econômica. Na busca de soluções nada práticas, eles só pioram as coisas e lógico, para nós é um prato cheio.
Tudo funciona muito bem no filme de Judge, principalmente o timing, mas a comparação inevitável com os filmes de Smith dura toda a duração de Maré de Azar. A sensação é de vermos um longa requentado mesmo com toda sagacidade de Judge para fazer o espectador um rir, esta que provavelmente é a arte mais complexa de ser bem sucedido.


Maré de Azar (Extract, EUA, 2009) Direção: Mike Judge

O MUNDO IMAGINÁRIO DO DR. PARNASSUS

 

De todas as particularidades que Terry Gilliam carrega em sua filmografia, arrisco em dizer que a maior delas é a maneira como o diretor inglês manipula o impactante visual de suas obras para tornar-los em uma poderosa analogia ou até mesmo num personagem. Brazil e o mais recente Contraponto são bons exemplos desta faceta de Gilliam. Em O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus a história não é diferente. De um mundo melancólico, sujo e sempre em estado de alerta (coincidência?), Gilliam utiliza o mágico espelho de Parnassus para entrarmos num mundo dito perfeito por cada um que tem a chance de atravessá-lo.

Desta vez as analogias são religiosas e políticas. A primeira é mais escrachada e até onde pode Gilliam não poupa críticas às doutrinas religiosas e que sua posição sobre elas é que tudo não passa de um conto de fadas. As políticas são mais discretas e se confundem com todo aparato cômico para a trama se tornar numa aventura acessível ao público mais jovem.

Na trama, Dr. Parnassus (Christopher Plummer) vive das apresentações de seus espetáculos falidos pela cidade e já conformado com o fracasso que durará a eternidade, ele vê sua sorte mudar quando encontra Tony (Heath Ledger), aparentemente morto numa ponte da cidade. Parnassus faz uma segunda e arriscada aposta com o demônio (Tom Waits, muito bom vê-lo em cena) e quem conseguir conquistar cinco almas em primeiro, terá posse da filha do Doutor, Valentina (Lily Cole). Pelos mandamentos, ela pertencerá ao tinhoso ao completar os dezesseis anos de idade. A partir daí, sobre a previsibilidade de uma separação brutal de comportamento para cada personagem, o filme se desenvolve.

A mesmice em relação às outras obras de Gilliam acaba por enfraquecer a persuasão do roteiro ao envolvimento do espectador. Tudo parece calculado o suficiente para parecer uma obra de autor. Já a tão comentada atuação de Heath Ledger, é de fato, uma potência considerável para o filme. Infelizmente, teve de ser substituído pelos nada inspirados Johnny Depp, Jude Law e Colin Farrel.
De qualquer modo, o visual continua sendo um personagem e também um espetáculo a parte. Nele, boa parte da potência do filme é depositada e consegue uma resposta a altura. Já o roteiro não consegue conduzir com a mesma equivalência a atenção do espectador. Consequentemente, o resultado final de O Mundo Imaginário de Dr. Parnassus é irregular. 

O Mundo Imaginário de Dr. Parnassus (The Imaginarium of Doctor Parnassus, Inglaterra/Canadá/França, 2009) de Terry Gilliam

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