FINISTERRAE


A saga de dois fantasmas pelo caminho de volta à vida. Finisterrae lentamente constrói um estado de espírito. De contemplação, compreensão e êxtase. Sergio Caballero passeia por extremos emocionais e caminhos sincréticos no filme vencedor do Festival de Cinema de Melbourne.

O surrealismo é arma para emocionar, alegrar, chocar e lamentar. O russo é a afronta às convenções do cinema neste road movie com senso de humor único. Afinal, o que faz um filme espanhol usando tal língua como a imponência de seu discurso? Uma referência histórica ao teatro de lá oriundo e também um explicito desafio ao público acostumado ao modelo americano?  Provavelmente um desafio, antes de tudo, ao próprio diretor na realização e transposição do roteiro para a tela.

Embaixo do teto que descansam está a maior analogia à morte. Os fantasmas fazem seus rituais, contemplam o valor do caminho a seguir. Discutem o valor da persistência. Seria patético se o filme se levasse a sério. Não é o caso. Estão lá referências aos primórdios do cinema – na estética e no clássico pano branco que cobre os fantasmas, que lentamente ficam imundos. Referente à La cicatrice intérieure de Philippe Garrel, Finisterrae é impetuoso e não cria nenhum tipo de contrapeso; pelo contrário, Caballero faz questão de explicitar suas fontes: a vídeo arte e a equivalência de extremos tão explorados pelo cinema, mas que pouco dividem a mesma obra: plástica e conteúdo.

★★★★
Finisterrae (Idem, Espanha, 2010) de Sergio Caballero

AMOR DEBAIXO D'ÁGUA


O peculiar humor japonês chegou ao seu ápice de qualidade. E nada como um filme como Amor Debaixo D’Água como tal representação. Reunindo o pinku eiga – semelhante ao soft porn, gênero que é especialidade do diretor Shinji Imaoka – a um musical grotesco, de letras em sua maioria sobre insatisfações e raiva, quando não cantam sobre fome e suco gástrico, o longa é propositadamente confrontador à moral de seu público.

Imaoka narra a história de amor não correspondido interrompido pela morte de Aoki, até então, um garoto de 17 anos. Anos mais tarde, ele ressurge na forma de kappa – uma espécie de homem-tartaruga. Para Asuka, a menina amada por Aoki, seu ressurgimento coloca na balança a felicidade de sua relação atual e a leva para caminhos rendem sequências surreais, sempre pontuadas por números musicais que logicamente não significam nada, há não ser a inconseqüência.

Amor Debaixo D’Água tem ritmo, foge da tradicional sequência de gags em filmes deste feitio amarrando muito bem a trama e inserindo musicais em momentos inoportunos e inesperados. Totalmente sem escrúpulos, Imaoka não se intimida ao criar novos personagens quando precisa para levar sua história a um nível de bizarrice ainda maior. Peca apenas quando por poucos minutos tenta ser poético, nos últimos minutos de filme, quando desemboca num encerramento digno para um filme tão divertido.

 ★★★★
 Amor Debaixo D'Água (Onna no kappa, Japão/Alemanha, 2011) de Shinji Imaoka

O CAVALO DE TURIM





“Em Turim, em 3 de janeiro de 1889, Friedrich Nietzsche sai do imóvel da Via Carlo Albert, número 6. Não muito longe dali, o condutor de uma carruagem de aluguel está tendo problemas com um cavalo teimoso. O cavalo se recusa a sair do lugar, o que faz com o que o condutor, apressado, perca a paciência e comece a chicoteá-lo. Nietzsche aparece no meio da multidão e põe fim à cena brutal, abraçando o pescoço do animal, em prantos. De volta à sua casa, Nietzsche então permanece imóvel e em silêncio durante dois dias estendido em um sofá, até que pronuncia as definitivas palavras finais: “Mãe, eu sou um idiota”. E vive por mais dez anos, mudo e demente, sendo cuidado por sua mãe e suas irmãs. Não se sabe que fim levou o cavalo”.

O Cavalo de Turim prossegue tal introdução, descrevendo os dias do condutor, sua filha (Erika Bók, a mesma do emblemático Satantango) e o cavalo sob todas as características que deram a alcunha de film fighter a Bela Tarr: densidade imagética e sonora, longos planos e poucos diálogos. O longa abre um leque de possibilidades imenso envolvendo maldições espirituais, síndromes usando o animal como catalisador. Nietzsche e o condutor da carroça, são, também, vítimas da inércia, supostamente oriunda do quadrúpede.

A escassez de diálogos dentro da esmiuçada rotina reflete o contexto da época retratada. A personagem de Bók, catalisadora da força espiritual que o cavalo rege – debilitado e entregue à morte dentro do celeiro, mas representado por uma ventania infinita que espalha o terror psicológico pela casa – torna-se babá de seu pai, tão imóvel quanto Nietzsche. A visão de Tarr sobre a humanidade é pessimista a ponto de declarar que a história profetizada por Deus foi alterada e que não haverá descanso para os mortais.

E sob  lenta entrega de forças através de árduo exercício contemplativo, enriquecido pela plástica, pungente por seu conteúdo e denso e soturno em analogias, O Cavalo de Turim é tão intenso que nos leva para análises que fogem a história, assim como o diretor faz por diversas vezes durante o filme.

★★★★★
O Cavalo de Turim (A Torinoi Ló, Hungria/França/Alemanha/Suíça/EUA, 2011) de  Béla Tarr

TRABALHAR CANSA


Filme da seleção da mostra Um Certo Olhar do último Festival de Cannes, Trabalhar Cansa é um filme que indubitavelmente reforça a idéia que a rotina pode ser um grande monstro através da aura fantástica.

Referente ao cinema oriental, sobretudo à filmografia de Kiyoshi Kurosawa, o longa de Juliana Rojas e Marco Dutra abusa das características do cinema nipônico contemporâneo: representações enigmáticas em personagens secundários, a amplificação do caos cotidiano através da técnica – planos, profundidade de campo e a proposital “sujeira” que remete à realidade através do som ambiente.

Nesta idéia, Rojas e Dutra criam uma nova abordagem para o drama do desemprego. Quem demite sabe o que é ser demitido e ficar meses sem trabalho. Dinâmicas em grupo e palestras são tão assustadoras quanto cães raivosos – uma relação ambígua com a felicidade e a sensação de satisfação.
Permeado por mistérios abstratos totalmente cabíveis ao real – tanto que são ignorados pelos personagens e garantem bons momentos de desconstrução de persona -, o longa equivale causa e consequência através de índoles distintas. E não peça que o filme tenha senso de justiça, afinal, a vida não é nada justa.

★★★★
Trabalhar Cansa (Idem, Brasil, 2011) de Juliana Rojas e Marco Dutra

CONTRA O TEMPO


Contra o Tempo detém vantagens simplórias e poderosas que pouco se vê atualmente; o roteiro sucinto de Ben Ripley evoca o desenvolvimento da gramática cinematográfica de Duncan Jones – que se livra de vez de ser conhecido como filho de David Bowie para ser conhecido como “o diretor de Lunar” – com poucas locações e as possibilidades múltiplas de ação – no sentido literal - que residem no espaço do tempo justificadas pela física quântica.

Para evitar um ataque terrorista a um trem a caminho de Chicago, o Capitão Colter Stevens (Jake Gyllenhaal) acorda no corpo de um professor que oito minutos mais tarde estaria morto com a explosão. Fisicamente preso à letargia, Stevens vai e volta dezenas de vezes para, na verdade, achar o responsável pelo ataque, ao invés de impedir a tragédia. Na medida, a trivialidade patriota inserida na trama se dissolve com as descobertas do protagonista em relação ao seu passado e futuro, envolvendo dramas familiares, uma paixão repentina e o projeto do governo para salvar vidas. Contra o Tempo torna-se envolvente por ser um filme retalhado e ritmado, sem fragmentação narrativa.

Ora taciturno e cruel (quando aborda a intervenção americana no Afeganistão), ora engajado politicamente por métodos predominantemente lúdicos – que justificam o amor de Duncan Jones pela ficção científica -, o filme não se limita em achar a equivalência entre engajamento e entretenimento; sabe que seu tema é saturado e que a objetividade é o maior trunfo. Rápido e rasteiro, Contra o Tempo se garante pelo rápido desenvolvimento, amplificado pela edição de Paul Hirsch e o controle que Duncan Jones tem sobre o roteiro ao não deixa-lo cair em redundância mesmo com a repetição de sequências dentro do trem.

★★★
Contra o Tempo (Source Code, EUA/França, 2011) de Duncan Jones

CONFIAR


É preciso considerar as duas vias que Confiar impõe ao espectador: a primeira e mais importante, é o alerta de como se configuram os casos de abuso sexual atualmente e todas as suas dobraduras e hipóteses. A outra é como o filme se porta como arte/entretenimento.

O longa dirigido por David Schwimmer mostra a facilidade à exposição e a vulnerabilidade ao perigo possibilitado pelo avanço tecnológico quando Charlie (Chris Henry Coffey), um homem na faixa dos quarenta anos que,  para alimentar suas fantasias consideradas doentias, se passa por um jovem numa sala de chat e mente até o assombroso encontro com Annie (Liana Liberato), uma garota de 14 anos. Schwimmer coloca em pauta se o consenso entre o homem e a menina considera o ato como estupro, se o nível de maturidade pode ser estudado nesses casos e a reverberação intensa na família da garota que motiva sequências de violência psicológica intensas regidas por Clive Owen em ótima atuação.

Sustentado por Liberato e Owen, Confiar não consegue equivaler o roteiro excessivamente melodramático à força do assunto. Tudo parece forçado demais para criar a sensação de compaixão solidariedade da plateia para a família que em questão de segundos, vão da paranoia completa à dormência, distorcendo o quadro trágico composto por Schwimmer. O cunho institucional tem mais valia por não ser justiceiro e vai de encontro com o excesso melodramático e a previsibilidade do roteiro de Andy Bellin e Robert Festinger.

★★
Confiar (Trust, EUA, 2010) de David Schwimmer

A SERBIAN FILM - TERROR SEM LIMITES


Amor, arte e sangue como transgressão para uma nação violentada pelo governo. Para o diretor Srdjan Spasojevic, A Serbian Film – Terror Sem Limites é um manifesto por incentivo para aspectos sociais de seu país. Sem ajuda, não há arte e sem ela, não existe a verdade. Aqui, um agente procura um ex-ator pornô e chefe de família preocupado com suas obrigações financeiras para um último trabalho em troca de uma remuneração que lhe trará segurança para o resto da vida.

Os diálogos se embaraçam com o subtexto rico, intenso e imageticamente intrigante. Spasojevic em curto espaço de tempo lamenta a perda de talentos para as drogas, critica o sistema educacional, a procriação em massa – e a falta de informação que desemboca na tal problemática -, a influência do caos na arte e suas novas obstruções. Questiona também o futuro do país e a lobotomia que adormece a população feita pelos canais sérvios de televisão.

Com toques de thriller, gore e carga dramática fortíssima, o filme às vezes não cabe em sua pretensão – o que pode levar o espectador a desacreditar das intenções de Spasojevic. As cenas fortes por um lado podem chocar desavisados por ultrapassar os limites morais e convencionalismos, mas enfrenta sem pudor a reação instintiva da platéia, o que pode levá-la às gargalhadas, de timidez ou de nervosismo.

A Serbian Film – Terror Sem Limites não cria fronteiras com sua mensagem. Em nenhum momento desiste de ser ficção, de criar nuances dramáticos e nos desestruturar com uma conclusão tão forte quanto a realidade de um país em crise. Um filme que transparece o grito pulsante por revolução. E se for preciso, algumas pessoas morrerão por ela.

★★★★★
A Serbian Film - Terror Sem Limites (Srpski Film, Sérvia, 2010) de Srdjan Spasojevic

CAFÉ ALMOÇO JANTAR


Café Almoço Jantar se constitui em uma trilogia de médias-metragens dirigidos por três mulheres orientais que inevitavelmente trazem perspectivas sensíveis às relações amorosas – cerne entre os três filmes. Wang Jing, Anocha Suwichakornpong e Kaz Cai englobam, além de toda teia que representa casos amorosos, valores que circundam as pessoas ao acaso.

A ambiguidade do sentimento de paixão e/ou amor é pulsante em Jantar, de longe o melhor dos curtas. O último, além de seu lado lúdico para representar a saudade, acompanha a mistura de dor e humildade súbita naqueles que foram impactados pela dor da perda. Café, o mais lento e aberto às múltiplas interpretações – todas elas sobre insatisfação -, insere ao contexto político atual ao imediatismo que infecta até as relações mais antigas. Almoço, este que na margem mostra a ternura adolescente às descobertas amorosas e o desajeito comum da idade, de longe é o que traz mais barrigas para o filme. Intenções à parte, a única coisa que o curta de Suwichakornpong consegue é ser redundante.

Por se tratar de um conglomerado monotemático, Café Almoço Jantar tem oscilações comuns de ritmo e abordagens repetitivas, mas no geral, as inserções delicadas das três diretoras são suficientes para considera-la como uma obra original.

★★★
Café Almoço Jantar (Breakfast Lunch Dinner, China/Cingapura/Tailândia, 2010) de Wang Jing, Anocha Suwichakornpong e Kaz Cai

Indie: SEPARADO!


Gruff Rhys, vocalista do Super Furry Animals resolve explorar suas raízes e, ao mesmo tempo, lutar contra o estabilishment em Separado!, documentário/road movie que bebe das fontes da estética sessentista para imergir em bom humor e fugir da didática televisiva.

Gruff, que utiliza um capacete dos Power Rangers para reger as elipses, busca o músico Rene Griffiths, que segundo a lenda, vive na Patagônia, local onde a colônia galesa é gigantesca. Entre imagens de shows em locais inusitados e a abordagem histórica – que inevitavelmente coloca o filme no mesmo patamar de uma reportagem de TV – Rhys e seu co-diretor Dylan Goch encontram figuras pitorescas pela estrada, que casam com a proposta psicodélica e nonsense que o filme traz. Uma pena que essa idéia não seja colocada em prática por toda sua duração. O segundo ato é inteiramente focado no lado histórico, seguindo um modelo comum de documentários deste segmento. O que o torna chato em comparação a genialidade de sua abertura.

E a genialidade volta para o encerramento, quando o bom humor ganha ares filosóficos e surreais, incluindo um show para um cavalo solitário e nada interessado nas músicas de Rhys. Separado!, na congruência entre o molde de um programa de Televisão e seu suporte transgressor – não apenas visual -, no fim das contas é divertidíssimo e que sabe aproveitar bem as estranhezas que seu tema inevitavelmente aborda.

★★★
Separado! (Idem, Reino Unido/Argentina/Brasil, 2010) de Gruff Rhys, Dylan Goch

Indie: ANOITECER


Remetente aos contemporâneos Quase Um Segredo (pela temática) e Simon Werner Desapareceu (fragmentando a história ao apresentar os personagens e cada perspectiva sobre o fato e também pela temática), Anoitecer apresenta uma teia de intrigas entre supostos amigos de colégio. Gradualmente, Hanro Smitsman (Skin) insere informações além da perspectiva que motiva uma espécie de thriller adolescente. Cada personagem tem sua psique desconstruída através de nuances, em cenas, em sua maioria, sem diálogos.

O guia narrativo é a sensação generalizada de rancor que o grupo carrega. Reféns do silêncio e da rotina, os personagens de Hanro são estereotipados, assim como o grosso do roteiro. Porém, o que reside nas intenções do diretor tem extrema complexidade maquiada de forma utópica – talvez o maior tropeço do filme.

A escolha de ser implícito compactua com o lado funcional – o thriller – mesmo com a clara carência de originalidade. Esta escolha ofusca toda força interna do filme, mas não traz problemas para seu desenvolvimento narrativo.

 ★★★
Anoitecer (Schemer, Holanda, 2010) de Hanro Smitsman

RISCADO



A metáfora criada na primeira sequência de Riscado, onde a atriz Bianca (Karina Teles) caminha de amarelo, segurando balões vermelhos no corredor escuro de uma repartição prestes a iniciar seu trabalho de animadora de festas deixa explícita a idéia do diretor Gustavo Pizzi (Pretérito Perfeito): abordar caminhos alternativos para realizações pessoais e artísticas. Saber do riscado, e viver arriscadamente. Um simples paralelo à forma em que Riscado foi concebido por Pizzi e Karina.

Bianca encontra diversas maneiras de fazer o que sabe – muito diferente de fazer o que quer – e assim, pagar as contas. Em todos os trabalhos, ela deve parecer feliz. Nesta ambiguidade, Pizzi mostra que a contemporaneidade ainda respira ares retrógrados; por aqui, para ser um ator, deve-se estar na tela – raciocínio construído na cena mais bonita do filme. Do contrário, você terá um “emprego que não é bem um emprego”. Pizzi faz duras críticas ao sistema do entretenimento de forma terna. É possível balancear a ternura da esperançosa protagonista com a indignação da impossibilidade de viver fazendo o que gosta.

Para situar o estado de espírito de Bianca, Pizzi utiliza vídeos que a protagonista filma com sua máquina digital – aqui sim, ela faz o que quer – e que mais tarde ganharia uma igualmente trágica e colorida releitura. A cada conta paga, ela metaforicamente risca uma obrigação e faz questão de comemorar. A cada peça encenada, uma celebração; mesmo que isso não a tire do descontentamento. Para o diretor, fugir da cartilha do ganha pão é um ato de coragem, mas que é completamente passível às obrigações do dia a dia, como um chefe que decide o que devemos fazer.  Riscado é um tapa na cara dado com luva de pelica.

★★★★★
Riscado (Idem, Brasil, 2010) de Gustavo Pizzi

A VIDA DURANTE A GUERRA


Todd Solondz revisita em A Vida Durante a Guerra os personagens do sincero e inesquecível Felicidade, filme que o consagrou em 1998 sob o mesmo olhar crítico de antes, usufruindo de um momento delicado para a sociedade americana, cercada de síndromes e paranóias.

Repete-se a fórmula com adaptações pertinentes à atualidade; diálogos fortes e calçados no humor negro para novamente mostrar um país debilitado atrás de uma casca perfeita representada por um jardim bonito e casas exuberantes.

Com propriedade, Solondz aborda uma nova idéia sobre a guerra com o tradicional incômodo que seu cinema traz. A Vida Durante a Guerra poderia ser um filme de força diluída na falta de originalidade tanto no argumento quanto na fórmula, justamente onde vive o grande mérito de Felicidade, mas a adaptação para o tempo pós-onze de setembro parece trivial onde pouquíssimos realizadores se esquivam de um discurso apaziguador, que alimenta o sonho da paz, enquanto a guerra continua dentro das mentes de uma nação doente.

A Vida Durante a Guerra (Life During Wartime, EUA, 2009) de Todd Solondz

Indie: ROMEOS



A diretora Sabine Bernardi adapta sua temática à cartilha ordinária do cinema dito alternativo – que nunca fora tão idealista como nos tempos de hoje. Romeos não passa de uma transposição de um tema raramente abordado com todas as articulações conflituosas morais, sentimentais e visuais para se tornar um romance morno.

Na puberdade, o jovem Lukas está no lugar certo e no momento certo. Mas tem a inseguranças e o preconceito como grandes inimigos. Transsexual classificado como FTM (female to male), Lukas se vê no ambiente homossexual de Colônia e apaixonado pelo inconsequente Fábio.

Os closes – que buscam a frequente transpiração de Lukas, efeito de doses de testosterona – sufocam seu protagonista num mundo que só é compartilhado através de vídeos pela internet. Ao redor, estão seus amigos que mais parecem ameaças para o seu segredo. Romeos transparece uma completa insatisfação às reações sobre a opção sexual de Lukas, por mais positiva que ela possa ser. Bernardi está mais interessada em criar uma novela sentimentalóide sobre a assunto ao invés de esmiuçá-lo sob as condições humanas.

★★
Romeos (Idem, Alemanha, 2011) de Sabine Bernardi

Indie: BELLFLOWER


A transformação do cinema em vida. O comando lúdico que nossas mentes servem à imaginação. Bellflower coloca Mad Max de George Miller como referência maior ao usar dois amigos fãs da série que glamurizam cada vírgula vivida. A cada atitude considerada inconsequente, lá está uma idéia de perfeição. Para cada passo dado por eles – membros da gangue fantasma chamada Mãe Medusa – tudo é pensado, ensaiado.

Quando o acaso os acerta em cheio, o diretor, roteirista, produtor e protagonista Evan Glodell fragmenta a narrativa, inserindo doses cavalares de violência, crises existenciais e ódio, prontos para destruir qualquer tipo de fantasia apocaliptica – forçando o encontro dos jovens à maturidade.

Esteticamente rico, Bellflower une o espírito nostálgico ao jovial - assim como suas fontes de inspiração no cinema -, a extremidade de cenas fortes imagética e liricamente e o contraponto do conteúdo denso à freneticidade da montagem e da narrativa. Mais um bom exemplo da funcionalidade deste modelo cinematográfico.

 ★★★★
Bellflower (Idem, EUA, 2011) de Evan Glodell

Indie: LITTLEROCK


O diretor britânico Alex Cox disse durante o lançamento de seu longa Three Businessmen , que aborda o encontro de três infelizes homens de negócios em uma cidade que poderia ser qualquer uma no mundo: “Ela pode ser qualquer uma pois todas, com a globalização, estão perdendo suas identidades. Em cada avenida vemos um Mc Donalds, um restaurante japonês e um restaurante mexicano, todos sob as luzes de neon”.

A declaração de Cox cabe muito bem à análise de Littlerock. Quando o carro alugado para os irmãos Rintaro e Atsuko quebra na pequena cidade de Littlerock, na Califórnia, é dado o pontapé necessário para Mike Ott, além de estudar o caminho inevitável criado pelo marasmo de uma pequena cidade, também insere no contexto a perda de identidade de sua protagonista, vivida por Atsuko Okatsuka.

As raízes de Atsuko logo são esquecidas em troca de um sonho tão fragilizado quanto sua segurança em um país em que não faz parte da realidade. Para ela, o cotidiano tem tom onírico ao ser amada, ter um emprego e um lar. É o suficiente para a menina esquecer o real significado de sua viagem aos Estados Unidos. Ott usa a clara metáfora imagética de silhuetas para pontuar a vertiginosa perda de noção da realidade de Atsuko.

Entre um olhar bem humorado sobre a barreira entre as línguas tão presente na Califórnia e um olhar agridoce sob a contemporaneidade, Ott entrega um loga funcional que não se rende a sentimentalismos e engajamentos gratuitos.

 ★★★
Littlerock (Idem, EUA, 2010) de Mike Ott

Indie: JUVENTUDE PERDIDA


Um país em crise. Uma sociedade em colapso. Juventude Perdida analisa o contexto político atual da Grécia através de um dia na vida de um garoto de dezesseis anos e de um policial passivo à realidade. A representação da perda da juventude está em dois extremos opostos: o primeiro, skatista e slacker com problemas familiares que desconta suas frustrações na bebida e na falsa idéia de transgressora que a droga traz. O segundo, rendido ao emprego estressante e a família, visivelmente em cacos, se vê próximo ao desmoronamento emocional. É o fim da inocência por completo.

Argyris Papadimitropoulos e Jan Vogel se importam mais em desenvolver o lado ilustrativo da coisa – abusam de plongées, dollys, câmeras overshoulder. Como narrativa, Juventude Perdida tem pilares fragilizados por ser um exercício contemplativo redundante, sustentado apenas pela força que seus protagonistas dão ao cotidiano, traduzindo a crise financeira e consequentemente existencial que assola o país.

Entre andanças de skate e obrigações profissionais, os dois vivem silenciosamente a obrigação de ser alguém – que tem como contrapeso a escassez de oportunidades, pais distantes e a eminente solidão, amplificada pela bebida, desistências e a revolta, representada pela sequência final do filme, quando os dois personagens finalmente se encontram.

★★★
Juventude Perdida (Wasted Youth, Grécia, 2011) de Argyris Papadimitropoulos e Jan Vogel

Indie: BENDITO ACASO

 

Bendito Acaso é a síntese da tendência sabotadora que cultivamos quando algo está para dar certo. O desejo pelo problema e pela dificuldade. O abismo entre Simone e Hannes serve como ilustração para a diretora Isabelle Stever lamentar esta eterna desconfiança.

Simone conheceu Hannes numa festa réveillon e na mesma noite, engravidou. Surpresa pela ótima recepção do rapaz à notícia, Simone inicia, assim, uma intensa relação com o futuro. Ao se limitar a tal análise por um só modelo, Bendito Acaso cai em redundância, arrastando a narrativa, esmerilhando cada ponto do conflito da protagonista, sempre comandados pelo pessimismo.  

A montanha russa emocional de Simone se confunde com o tempo de gravidez: a insegurança é crescente e envolve ciúmes, vaidade e principalmente o inexplicável desejo de tomar um caminho mais árduo, que foge de um estilo de vida despreocupado e das facilidades que seu namorado traz – mesmo sabendo que não achará conforto em outros braços.

Stever utiliza cenas regidas por situações constrangedoras sob o ideal silencioso e sabotador de Simone para analisar até onde esta tendência pode ir. Para a futura mãe, sua prisão domiciliar é o maior motivo para a criação de obstáculos para o sucesso da família. Mas, afinal, o que é sucesso? A cena final talvez possa nos responder.

★★
Bendito Acaso (Gluckliche Fugung, Alemanha, 2010) de Isabelle Stever

ESTADO DE SÍTIO


A justificativa que rege o exercício batizado de Estado de Sítio, onde oito amigos se refugiam em uma casa em Minas Gerais à espera do fim do mundo se sustenta pelo fato de testar e levar a ironia ao extremo, abordando todas as possibilidades de desenvolvimento, prolongando as cenas e fugindo de transformação do conteúdo em um conjunto de gags. O filme dirigido e atuado pelos oito amigos coloca o roteiro a encarar o cotidiano como uma espécie de deboche ao falatório e sensacionalismo imposto pelo cinema americano ao “fim dos tempos”.

O baixo orçamento alimenta a retórica da abertura ao improviso e o pouco cuidado estético. Porém, é perceptível que os integrantes do grupo procuram dentro deste estado anárquico o exercício cinematográfico, explorando o espaço cênico e deixando por boa parte do tempo a câmera estática, aproveitando a profundidade de campo e travellings nos poucos momentos em que o dispositivo se move.

Estado de Sítio aborda à ruptura de um grupo de homens acostumados ao que é digital, de fácil conquista para a busca por alimentos e da luta contra o crescente tédio, onde o resgate da infância (corridas na piscina, jogo de futebol, pique – esconde) se revela com a melhor saída. Não que isso seja um revés para a relação dos personagens, pelo contrário, é apenas a motivação perfeita para o escracho e relacionar a realização do filme à uma festa. Algo totalmente justo quando estamos falando de cinema no Brasil.

★★★
Estado de Sítio (Idem, Brasil, 2011) de  André Novais Oliveira, Gabriel Martins, Flávio C. von Sperling, João Toledo, Leonardo Amaral, Leo Pyrata, Maurílio Martins, Samuel Marotta

SUBMARINO


Como Ondas do Destino e Dançando no Escuro de Lars Von Trier, Submarino é uma obra que parece uma avalanche de tristeza. Por mais claro que pareça, aos poucos se revela na confusa relação entre mente e alma. Usando a pureza das crianças e a irresponsabilidade de adultos como trampolim de discussão, Thomas Vinterberg (o eterno diretor de Festa de Família) dá um soco no estômago de seu público a cada sequência.

A falta de maturidade ao colocar uma criança no mundo e a fraqueza que repousa em diversas formas de dependência motiva Vinterberg a levantar um leque enorme de subtextos no roteiro escrito em parceria com Jonas T. Bengtsson e Tobias Lindholm, desta vez sem afetações e regras – pelo contrário, o diretor praticamente se anula, seguindo, desta vez, uma cartilha muito mais acessível de cinema.

E fragmentando sua história – perceptível após muito tempo de filme -, Submarino além da questão social e comportamental, mergulha na relação de seus personagens e cria uma catarse silenciosa, uma (sim, de novo) avalanche emocional. Vai além do contraste entre a inocência e a maldade. Faz concomitantemente um paralelo entre essas forças. E o final, por mais previsível que pareça, consegue manter uma sinergia caótica.

★★★★
Submarino (Idem, Dinamarca/Suécia, 2010) de Thomas Vinterberg

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