CAÇA AOS GANGSTERES


Subgênero marcado por tramas condensadas e ritmo truncado pontuado por cenas de ação, o gangsterism ganha roupagem moderna pelas mãos de Ruben Fleischer (“Zumbilândia”) em Caça aos Gangsteres.  Frenético, prolixo e imerso em clichês, o filme se resume em puro exercício de estilo.

Todos os aspectos estéticos que contribuem para a beleza imagética são usados com louvor por Fleischer. Em extremo oposto, o ritmo de clipe, com cortes rápidos, movimentos de câmera bruscos e a inserção aleatória da “câmera lenta” exaltam a proposta do espetáculo visual nas infinitas sequências de ação. Caça aos Gangsteres busca o constante ápice, mas perde ao justificar-se – ou definir sua linguagem desta maneira.

Entre o fetichismo de Fleischer e o excesso de consciência – ou a posição “perfeita” de cada persona (o herói e sua esposa grávida, o mulherengo alcóolatra, etc.), sem intenção concreta de homenagear ou configurar-se como pastiche, está o excesso. Nele, Fleischer faz terreno para dialogar através do humor; cria afeições e, como era de se esperar, desenvolve sua narrativa por este suporte. Procedimento pertinente para um filme que é a afirmação pró-espetáculo, construindo assim a ponte ideal para o êxtase do cinema influenciado por games e vídeo-clipes.
  
Caça aos Gangsteres (Gangster Squad, EUA, 2013) de Ruben Fleischer

O LADO BOM DA VIDA


Caminho concretizado no cinema de David O. Russel, o olhar minucioso e acessível do subúrbio americano se faz presente em O Lado Bom da Vida para, em trama agridoce, analisar mazelas emocionais e caminhos de superação dos novos tempos.

Previsibilidades à parte, o que delineia o filme – relações ambíguas – nada mais faz que o estudo minucioso de uma geração intolerante às decepções e, naturalmente, propensa a frequentes quedas. Relutantes a qualquer mudança de curso, Pat (Bradley Cooper) e Tiffany (Jennifer Lawrence) amplificam a dor através da nostalgia. Em extremo oposto, está Pat Sr. (Robert De Niro), homem que está em constante relação com o azar.

A posse da vitória ou a consciência capitalista de sucesso afeta o cotidiano de Pat – o que há ao redor é efêmero à primeira vista, mas O. Russel desenha com primor o crescimento deste “monstro”, principalmente por elementos estéticos ou sutis toques de humor. O estranhamento entre Pat e Tiffany passeia por extremos enquanto simultaneamente as noções de familiaridade se mostram intensas – seja em ausência ou torta afinidade.

Justamente nesta equação, que ao primeiro olhar parece impossível de ganhar alguma frequência, é onde O Lado Bom da Vida, sempre de forma prolixa – curiosamente, no eixo narrativo mais óbvio O. Russel permite o silêncio – traz o raio-x da geração que veio antes do imediatismo da internet, que vaga em nostalgia e medo de um futuro trágico. Afinal, o final feliz (silver lining, em inglês) é o que interessa.

O Lado Bom da Vida (Silver Linings Playbook, 2012, EUA) de David O.Russel

O MESTRE


Um filme de entornos frágeis; como solução está o constante ápice. Um filme para os atores; a trilha sonora é antítese, a direção, invisível (ou seja, irretocável). Tempo e história ganham identidades abstratas em sutis abordagens, mas nunca anêmicas. Esta equação transforma O Mestre numa obra no qual sair incólume é tarefa árdua.

No pós-guerra, Paul Thomas Anderson equivale ilusão, manipulação, traumas e religião em constante fuga do contexto político explícito. Suas representações – bem próximas ideologicamente do teatro de Brecht (estranhamento ao capitalismo e relações humanas) e em execução ao conceito de Viktor Chkolovsky (novas formas), O Mestre tem foco na relação de um veterano naval com dependência química (Joaquin Phoenix) e do carismático mestre (Phillip Seymour Hoffman), criador do movimento A Causa

A crueza nos diálogos e escolha de enquadramentos de fácil comunicação (uso constante de plongée e planos/contra-planos) com o público subvertem a complexidade narrativa – transparecendo sua força como desconstrução da psique – sempre em dramaticidade diluída, outro ingrediente da postura de Anderson.

Metaforicamente, PTA utiliza a câmera como instrumento de reflexão social e testemunha das bifurcações causadas pela religião e seus pilares: social (instituição) e comportamental (espiritual). No social, está a ficção – onde o mestre mais parece como um calculista diretor de atores, propenso à manipulação de emoções. No segundo, o personagem de Phoenix exibe suas feridas e a bagunça que sua vida realmente é.

Ao O Mestre cabe subverter regras para jogar diretamente com as emoções do público e deixa-los inertes, como um espelho de sua matéria-prima. Aludir à narrativa, ou ao menos iludi-los com um traço de história e relação entre os personagens – em cenas simplórias, estrategicamente montadas pela função manipuladora do cinema de D.W. Griffith.

O Mestre (The Master, EUA, 2012) de Paul Thomas Anderson

DJANGO LIVRE


O cinema de antíteses de Quentin Tarantino está de volta e sem novidades. Não há inovações quanto ao desenvolvimento do roteiro, novamente destinado ao anticlímax, supostamente justificado pelo cotidiano em diálogos que saem dos limites da trama – a fuga de assassinos profissionais onde a pauta é o molho do Mc Donald’s em Pulp Fiction, é um bom exemplo do uso desta técnica. Django Livre também não exibe reinvenções quanto à fonte pop e a frequente homenagem ao cinema e gêneros desconhecidos.

Mesmo com a receita já consagrada pelo público, Django Livre é o filme de Tarantino que exerce mais função conceitual – muito mais próximo ao western clássico que à imediata comparação ao spaghetti da saga Django, em termos narrativos. A tradicional licença do diretor está em trilhos radicais novamente; Se Bastardos Inglórios, por exemplo, usava o cinema para aniquilar Adolf Hitler, neste o escravo Django (Jamie Foxx) adota o mito do cowboy para conquistar a liberdade plena através dos ensinamentos de um alemão caçador de recompensas.

No terreno da subversão, o filme de Tarantino é coeso quando a autoria é pungente; faz seu protagonista não abrir a boca na sequência mais importante do filme, liderada por Dr. King Schultz (Christoph Waltz, genial), Calvin Candie (Leonardo DiCaprio) e Stephen (Samuel L. Jackson) ou compõe quadros imageticamente impecáveis ao som de rap ou canções de Ennio Morricone de Django e Schultz indo em direção alvo, porém, nunca à deriva. Em momentos como esses que Django Livre ganha vitalidade, pois lentamente – Sally Menke, montadora de todos os trabalhos de Tarantino, faleceu em 2010, o que pode justificar tal ritmo narrativo - o filme se torna um jogo para acharmos traços de humanidade nesses homens entre mecanismos saturados – violência inesperada e bem humorada, o brusco superclose, as canções que reverberam junto com o filme por muito tempo, etc.

Se nos aproximamos desses homens, certamente não é por conta dos maneirismos do diretor e sim pela entrega do elenco ao espaço oferecido. Espaço este que novamente é de adaptação a um gênero sobre as marcas imutáveis de um autor que aos poucos se desgasta.

Django Livre (Django Unchained, EUA, 2012) de Quentin Tarantino

AMOR


Amor, título sugerido pelo protagonista Jean-Louis Trintignant, é perturbador, como qualquer outro Haneke. Porém, o diretor revela em seu filme vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes outra faceta de seu lado violento em filmes como Violência Gratuita ou A Professora de Piano.

Georges (Jean-Louis Trintignant) e Anne (Emanuelle Riva) vivem em Paris, num amplo apartamento, apaixonados após anos de relação. Apartamento este que ganha dimensões diversas, como a claustrofobia causada por um corpo (seja Anne, seja um livre pombo) ou a imensidão causada pela lentidão dos passos dos personagens. Em ambos espectros, há dor e agonia. A ausência de trilha e os longos planos acentuam tais sensações.

Em Amor, observar é função incômoda, intrusa. O voyeurismo do sofrimento e do fim é a delicada provocação de Haneke em relação à incapacidade; seja de pai ou de filha. Iminente e sem suspenses – como entrega a sequência de abertura do filme, o fim oferece opções plausíveis para uma convivência submissa, mesmo que ela se aproxime da autodestruição. Por amor.

A dor, como elemento narrativo é Haneke como conhecemos; Entendê-la é exercício lento e cru, como a câmera parada, pronta para acenturar a solidão e o desejo de fuga, como a sequência onde quadros ganham a tela. Quadros esses com pinturas da natureza, do mundo externo. O desejo. Justifica-se o entendimento, a força sobrenatural, a renúncia e principalmente a identificação do espectador por uma palavra: amor.

Amor (Amour, Áustria/França/Alemanha, 2012) de Michael Haneke

*colaborou Juliana Pinheiro

A VIAGEM


Baseado no livro de David Mitchell, a trinca diretorial formada por Tom Tykwer (Corra, Lola, Corra) e os irmãos Andy e Lana Wachowski (trilogia Matrix) faz de A Viagem um torto épico sobre evolução e liberdade composto por sequências de ação mirabolantes e previsíveis insinuações ao discurso sobre o futuro da humanidade.

Na sequência de abertura, utilizando o tradicionalismo moderno em oferecer coerência com a última cena, o filme traz a noção que se trata da abordagem sobre continuidade e unidade dentro da infinita discussão sobre a vida, origem e destino. Para a trinca, ações, crenças e claro, o amor atravessam as barreiras do tempo, aqui sempre entronizando a postura libertária de seus personagens. Residente das múltiplas possibilidades, A Viagem encontra o passado e futuro, mas em momento algum consegue estruturar sua narrativa. Sofre para desenvolver a apresentação de núcleos e encontrar pontos de elipse entre tantos cortes.

Entre um acerto e outro, o destaque maior fica para o núcleo focado numa Seoul apocalíptica, onde a figura maior, a garçonete "Sonmi-451" (Bae Doo-Na, de O Hospedeiro) espelha o caráter de Jesus Cristo, curiosamente (ou ironicamente) o maior símbolo religioso ocidental - provavel inserção de Tom Tykwer. Para os Wachowski, é possível captar todos seus fetiches visuais e características na direção de atores – principalmente no núcleo oriental, onde Tom Hanks e Halle Berry não aparecem.

A dupla exibe química tão impressionante quanto à de água e óleo. Profetizando os comentários, Tom Hanks protagoniza a melhor cena do filme, onde um crítico literário encontra a morte. Da abolição da escravatura à evolução tecnológica, A Viagem pincela pontos considerados relevantes para a história, mas como suporte narrativo, todos exibem-se completamente ocos.

Lamentavelmente, para a A Viagem, entre assuntos que naturalmente instigariam discussões e abordagens intelectuais ao redor de nossa existencia, sobra a diversão de descobrir os maneirismos de cada diretor.


A Viagem (Cloud Atlas, Alemanha/EUA/Hong Kong/Singapura, 2012) Direção: Tom Tykwer, Andy Wachowski, Lana Wachowski

Os melhores filmes de 2012, segundo a crítica

Para comemorar os cinco anos de cinemaorama completados no último mês de setembro, convocamos críticos (e amigos) para votar nos melhores filmes lançados no Brasil em 2012, seja nos cinemas ou diretamente em home vídeo. O trabalho de fazer este ranking logo se tornou uma experiência interessante, principalmente pela discrepância de opiniões.  O método de produção foi o de pontos, onde o primeiro lugar de cada crítico ganha 10 pontos, o segundo 9 pontos, e assim sucessivamente. O número de votos recebidos foi usado como critério de desempate.

10. Polissia (Polisse, França, 2011) de Maiween
Distribuição: Vinny Filmes
14 pontos
09. O Abrigo (Take Shelter, EUA, 2011) de Jeff Nichols
Distribuição: Fox
16 pontos
 
08. Um Alguém Apaixonado (Like Someone In Love, França/Japão, 2012) de Abbas Kiarostami
Distribuição: Imovision 
17 pontos
07.O Espião que Sabia Demais (Tinker Tailor Soldier Spy, Reino Unido/França/Alemanha, 2011) de Tomas Alfredson
Distribuição: PlayArte Pictures
17 pontos
06. A Invenção de Hugo Cabret (Hugo, EUA/França, 2011) de MartinScorsese
Distribuição: Paramount Pictures
18 pontos

05. O Artista (The Artist, França/Bélgica/EUA, 2011) de Michel Hazanavicius
Distribuição: Paris Filmes
24 pontos
04. Shame (Idem, Reino Unido, 2011) de Steve McQueen
Distribuição: Paris Filmes
30 pontos

03. Holy Motors (Idem, França/Alemanha, 2012) de Leos Carax
Distribuição: Imovision
45 pontos
02. Drive (Idem, EUA, 2011) de Nicolas Winding Refn
Distribuição: Imagem Filmes
57 pontos
01. A Separação (Jodaeiye Nader Az Simin, Irã, 2011) de Asghar FarhadiDistribuição: Imovision
72 pontos
Outros filmes que obtiveram votos e seus pontos, respectivamente:

Precisamos Falar Sobre o Kevin (14), As Quatro Voltas (14), Histórias Que Só  Existem Quando Lembradas (13), Minha Felicidade (12), Argo (12), Fausto (12), A Outra Terra (12), O Porto (11), As Vantagens de Ser Invisível (10), A Guerra Está Declarada (9), No (8), A Delicadeza do Amor (8), Amor e Dor (8), Mistérios de Lisboa (7), O Moinho e A Cruz (6), Entre o Amor e a Paixão (6), Febre do Rato (6), Guerreiro (6), Minha Irmã (5), Millenium II - A Menina Que Brincava com Fogo (5), Cosmópolis (5), Pina (5),  Moonrise Kingdom (4), Os Infratores (4), Frankenweenie (4), Intocáveis (4), O  Homem da Máfia (4), Bastidores de Um Casamento (3), Elefante Branco (3), Sudoeste (2), Habemus Papam (2), Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2), A Perseguição (1), Marcados Para Morrer (1), Girimunho (1) e A Vida em Um Dia (1).

Críticos convidados: Luiz Fernando Gallego (Críticos/Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro), Filippo Pitanga (Almanaque Virtual/Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro), Carlos Britto (O Dia), Rodrigo Torres (Cineplayers), Felipe Tostes (Cineplayers), Raphaela Leite (Video Session/Aventura de Ler), Maurício Ribeiro (Spoiler Movies), Alex Gonçalves (Cine Resenhas), Francisco Carbone (InFoco News) e Pedro Tavares (cinemaorama)

O SOM AO REDOR


É possível construir, analisar e amarrar dois ou até três filmes diferentes em O Som ao Redor. Kleber Mendonça Filho usa uma rua da zona sul de Pernambuco para, ao mesmo tempo, fazer um bem humorado como retrato do cotidiano caótico da classe alta de Recife e traçar um thriller sensorial, sinalizado pelo elemento que batiza o filme.

Ao contrário do que se possa imaginar, O Som ao Redor é um filme palpável. Seus enigmas são mutantes, podem se mover e falar em uma cena e na sequência seguinte podem se transformar num cão que ladra sem parar, na obra que também sinaliza o crescimento desenfreado do mercado imobiliário da região ou num vizinho barulhento. E o campo que Mendonça passeia com liberdade, adulterando gêneros e códigos do cinema, acaba por dar ao público algo que o cinema de Alfred Hitchcock nos presenteava – a sensação de plenitude no momento certo, a ilusão de continuidade e de jogo com o público.

Mendonça filma o horror às claras. Afinal, durante o dia ele passeia sem pudor, incomoda ao próximo, não tem educação e está livre para fazer o que deseja. O diretor grita com sua câmera em aproximações bruscas ou pelo desenho de cena, onde personagens são abandonados para a continuidade narrativa, como simples metáfora de uma força maior observando o que deseja – seja o público ou uma divindade.

O Som ao Redor impressiona não só pela força que possui através de simbolismos e comparações diretas ao cotidiano pernambucano; o longa é fiel à rotina antes de usá-la como eixo narrativo – e justamente daí surge o humor. Pela associação. E nesta associação do (ir)real que o filme dá a rasteira no público, domado por um artifício básico do cinema no último século – o suspense.

 
O Som ao Redor (Idem, Brasil, 2012) de Kleber Mendonça Filho

Melhores Filmes de 2023

Mangosteen de Tulapop Saenjaroen Mais um longo post com os melhores filmes do ano. São os melhores filmes lançados entre 2021-23 com mais ...