WRONG




  Do mesmo subúrbio que serviu de embrião para filmes de John Waters e Todd Solondz surge a estranheza de Wrong. Porém, o filme não se trata explicitamente sobre o que casas bonitas e gramados perfeitos escondem. Quentin Dupieux, diretor do estranhíssimo – e igualmente divertido – Rubber, parte do sumiço do cachorro de Dolph (Jack Plotnick) para se apropriar com lucidez às críticas comuns ao local, mesmo que isso não signifique originalidade discursiva.


Do estigma da derrota tão explorado nos últimos anos – principalmente nas comédias independentes americanas - sai um grupo de personagens folclóricos. E a partir desta característica, uma sequencia de situações grotescas ligadas ao sumiço do cão, mas nem sempre presas à lógica, dão rumo à narrativa. Justamente por este motim que Wrong se mostra como filme frágil. Pois a análise irônica através da revisita ao subúrbio se dilui na tentativa frustrada ao riso. O diálogo com o ambiente que rodeia os personagens é esquecido, apenas sinalizado quando convém. A derrota, neste caso, é maior até mesmo que o mundo em que se vive.


É notório o desconforto com a rotina, o trabalho, a carência, o número de vendas e a preocupação em denegrir o trabalho alheio, sempre motivado pela representação do “ser e ter” ou pela inveja – dois típicos casos da derrota implícita. Para Dupieux isto não parece importante, tanto que escolhe o caminho surrealista para desenvolver e encenar Wrong. Um passo de coragem à procura de autenticidade, mas pouco funcional, afinal não existe suporte para qualquer sugestão que não seja a da análise corporativa, como se Wrong fizesse parte de um filão de sucesso, sem pulso e sem identidade. 

★★
Wrong (Idem, França/EUA, 2012) de Quentin Dupieux

AMOR PLENO



No menor intervalo entre filmes de sua carreira, Terrence Malick transfere a mensagem cristã implícita de A Árvore da Vida (2011) para em Amor Pleno (To the Wonder, À Maravilha, na tradução literal) transparecer intenções a partir do mesmo modelo de seu antecessor. Conforme o título nacional entrega, a plenitude é o norte do filme, que coloca novamente o paraíso como habitat de personagens angustiados. 


A partir da narração no passado que abre o filme, é possível compreender a noção de lembrança e nostalgia na relação de Neil (Ben Affleck) e a francesa Marina (Olga Kurylenko). O casamento, tão sagrado quanto enigmático, é o objeto de estudo – que aos poucos passa por mutações onde o amor ganha diversas representações, inclusive pelo seu mediador, o padre Quintana (Javier Bardem). Quintana é um homem que domina o amor em sua teoria, mas vive infeliz pela escassez do mesmo. Da mudança da França para os EUA, Malick cria espaços para ironizar o estado de falsa proteção vivida pelos americanos ao hospedar o casal num subúrbio de beleza estonteante. 


Malick desafia o público através da estética. Exagera na aproximação da câmera aos personagens – praticamente os engole. Os condena no prólogo ao coloca-los de costas por boa parte das sequências. Aos poucos, conforme a relação muda, o diálogo com a câmera também sofre transformações. Apesar de seguir cronologicamente uma história, pouco há de narrativa em Amor Pleno. A graciosidade é o elemento que comunica o público a intenção Malick de diálogo com a divindade. As ações dos personagens são fotográficas – são propositalmente enferrujadas, como se estivessem prontos para a eternidade entre as molduras de uma pintura ou uma fotografia. 


Pois se A Árvore da Vida e outros trabalhos de Malick seguem a premissa de permear qualquer constrangimento quanto a criação - e relação - com a linguagem, Amor Pleno rompe com esta proposta desigual entre o divino e o mundano. A existência está na mesma posição que os pensamentos sobre dilemas abstratos como o amor e a eternidade.


★★★
Amor Pleno (To the Wonder, 2012) de Terrence Malick

30 minutos com HITCHCOCK

Rio de Janeiro e São Paulo receberam recentemente mostras dedicadas ao diretor Alfred Hitchcock e agora é a vez de Belo Horizonte - em ampla versão com direito a cursos, debate com a presença de José Mojica Marins, exibições especiais, etc. Para maiores detalhes confira o site da mostra Hitchcock é o Cinema.


Em 1972 Pia Lindstrom e o crítico William Everson se reuniram com o mestre do suspense pela série "Masters of Cinema" e colocaram em pauta assuntos espinhosos como a preferência de Hitchcock por loiras como protagonistas, fama, seu complicado método de trabalho e de direçãoEnfim, aperte o play e passe meia-hora com Hitch.



ERA UMA VEZ NA ANATOLIA



Durante o processo de investigação e conclusão de um caso policial que dura cerca de doze horas, Era Uma Vez na Anatolia faz diferencial pela maneira que se conjuga. A partir da clara referência do chiaroscuro de Leonardo Da Vinci em intenso jogo de luz e sombras, o diretor Nuri Bilge Ceylan (Três Macacos) usa a península anatoliana como palco de uma história crua, ironicamente comparada aos contos de fada. Daí o seu título. 

Como principal suporte do filme, os diálogos transparecem tabus sociais envolvendo policiais, promotores e suspeitos do crime. Com eles, Nuri Bilge Ceylan aponta que o grupo de homens, ao relento e imunes à tempestade que ameaça cair por boa parte do filme, nada mais é que a representação de uma nação. Totalmente contrário ao modelo centralizador na relação do cinema com a polícia através do imaginário de justiça e corrupção. 

O processo que envolve a busca por um corpo desaparecido, o trivial julgamento e a série de impropérios do acaso disparados contra os trabalhadores – ao menos na visão deles, é doloroso. O trabalho exige que os dias virem noites sem a percepção exata do tempo. A claridade para Ceylan exerce a função de exibir ainda mais as contradições de homens que dividem na mesma porção o lado carrasco e humano. Um belo exemplo é a percepção dada às mulheres como corpo estranho, estrangeiro, destinado ao azar. 

Portanto, estamos diante de um panorama do homem comum, que tende à ironia e crueldade em momentos delicados. E Ceylan não os inibe em seguir a ação com intensos e distorcidos lamentos sobre a ambiguidade moral vivida nesta profissão, que de alguma forma, os define. Raros são os momentos que os suspeitos são execrados explicitamente, mas a tensão é latente a cada quadro de Era Uma Vez na Anatolia. Os personagens são homens igualmente bons e ruins, como qualquer outra pessoa. Talvez pela noção que o estudo é muito mais profundo, Era Uma Vez na Anatolia serve como introdução à complexa e minuciosa tese que o ceticismo imposto pela burocracia supostamente encorajadora é o norte para a crise do homem moderno. A rotina já é suficientemente burocrática. É necessário ser, de fato, humano em algum momento do dia. Nem que seja em momentos inapropriados. Pois, conforme o ditado popular, a justiça também é do homem. 

★★★★
Era Uma Vez na Anatolia (Bir Zamanlar  Analo'da, 2011) de  Nuri Bilge Ceylan

*Texto originalmente publicado no Almanaque Virtual

O CAVALEIRO SOLITÁRIO



Não há nada de errado em revitalizar ou adaptar gêneros; quando se trata do western, berço da instituição da identidade americana no cinema, menos ainda. Porém, o que Gore Verbinski havia sinalizado no divertido e espirituoso Rango é antítese do que O Cavaleiro Solitário se propõe. 


A aventura do pequeno camaleão pelo deserto americano presta tributo a ícones do faroeste com roteiro ambivalente, pronto para agradar crianças e adultos de forma corajosa. Já O Cavaleiro Solitário mostra Verbinski em função da fórmula de Piratas do Caribe, franquia que o consagrou como realizador e responsável por recordes de bilheteria. Baseado na série Zorro – O Cavaleiro Solitário, o filme escancara referências ao western pelo imaginário popular.  A idéia, portanto, é utilizar maniqueísmos do gênero para espetacularização.


 Construído de maneira similar a qualquer filme da saga Piratas, O Cavaleiro Solitário mais parece uma releitura em novo ambiente. Tonto, o índio vivido por Johnny Depp é tão caricato quanto Jack Sparrow, o pirata-palhaço-marginal (ou qualquer outro personagem interpretado pelo ator nos últimos dez anos). Sua tarefa é ajudar John Reid, advogado prematuramente promovido a justiceiro a fim de vingar a morte do irmão e trazer paz à cidade de Colby, no Texas. Ao menos a vingança está lá. Sempre ela, referencial e aristocrática para o gênero. 


O Cavaleiro Solitário é um filme feito de obrigações e demandas. É notória a conjura em ter conflitos, resolve-los e envernizá-los, apetecendo o gosto do grande público para iniciar e terminar atos em sequências apoteóticas. Menos, por acaso, ao seu campo original, a série no qual o filme é baseado. Vai-se a anarquia e poesia de um gênero e fica a sensação que sua releitura pop nada mais é que a clara subestimação da consciência de seus consumidores.


O Cavaleiro Solitário (The Lone Ranger, EUA, 2013) de Gore Verbinski

MELHORES FILMES DE 2013 (1º PRIMEIRO SEMESTRE)

É chegada a hora da tradicional lista de melhores filmes do primeiro semestre - lançados em circuito no Brasil. Listas são pessoais e não há critério algum que faça sentido nelas. Ou seja...argumente, mas não estabeleça nada.

Então vamos lá:



10. Na Neblina de Sergei Lonitza

9. A Caça de Thomas Vinterberg

8. Elena de Petra Costa

7. Além das Montanhas de Cristian Mungiu 

6. O Mestre de Paul Thomas Anderson  


 5. Tabu de Miguel Gomes

4. Antes da Meia-Noite de Richard Linklater

3. Amor de Michael Haneke

2. César Deve Morrer de Paolo e Vittorio Taviani

1. O Som ao Redor de Kléber Mendonça Filho

Menções: Amor Profundo de Terence Davies, Segredos de Sangue de Park Chan-Wook, Dentro da Casa de François Ozon, Killer Joe de William Friedkin, A Caverna dos Sonhos Esquecidos de Werner Herzog e Depois da Terra de M.Night Shyamalan.

BRANCA DE NEVE


Para Pablo Berger, diretor de Branca de Neve, cabe logo transparecer que não se trata do cinema “do outro”.  Pois da possibilidade de adaptar um conto mundialmente conhecido como o dos irmãos Grimm aos meandros que incitam a identidade espanhola – em especial a tourada e a tragédia -, a nova Branca de Neve poderia seguir uma série de regras para se configurar como homenagem, releitura, etc.

É notório que Berger traz à seqüência de tragédias na vida de Carmen a carga dramática que delimita campos para fazer um jogo majoritariamente estético. Branca de Neve em nenhum momento é releitura, portanto. Das referências góticas – principalmente no contexto político, ao contraste direto com a conhecida versão animada de 1937, Branca de Neveusufrui de uma série de influências como o fascinante flerte entre o método de Griffith de narração e diversas vertentes visuais (os filmes russos, alemães e norte-americanos, todos da década de 20).

Em livre adaptação, Berger mostra visão pessimista e não menos irônica sobre a humanidade, usando elementos principais da história como norte, apenas. Não há cartilhas a seguir e assim, fica a sugestão ao deleite visual. Filmado em 16mm em janela 1:33:1 e sem diálogos, a conversa maior é com o próprio cinema e o ritual do olhar, contemplar, acompanhar. Um desafio nos tempos do imediatismo.

★★★
Branca de Neve (Blancanieves, Espanha, 2012) de Pablo Berger

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